segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Niccolò Machiavelli

Ele morreu no século XVI. Ele, o tal Niccolò Machiavelli. Se muitos, à época, soubessem como ler, certamente o haveriam chamado de baderneiro, desagregador, simplório e, mesmo, de anti-Cristo. Mas não se podem considerar as opiniões todas, pois de certo teriam os que, ao vê-lo, gritariam com todo o ódio transbordando do peito: “moralista!”. Imaginem só, ele, um moralista! Que pecado!


Enquanto viveu, pregou suas teses finalistas tendo sempre em vista a consecução dos interesses políticos. Hoje, diz-se dele haver sido um estudioso descritivo, mas ninguém, político de carreira (governantes) ou de natureza (governados), costumava afirmar-se abertamente um modelo de suas teorias. Quem corroborava com elas, então? Todos e todas e nenhum, pois a verdade era conhecida, porém, como naquele conto, quem dissesse do rei estar nu seria decapitado.

Quando morreu o italiano, houve os que pretendessem furtar-lhe o corpo pra atirá-lo numa pira de fogo ardente junto com cada página do que escrevera. Todavia, o silêncio de seus admiradores não se refletiu em falta de atitude a fim de protegê-lo: não por menos, foi enterrado com grandes honrarias em túmulo de mármore – de localização hoje desconhecida.

Quando já não havia mente tão prodigiosa pra defender-se, levantaram-se em altas vozes alguns opositores. Eles, sim, com discurso moralista, viciaram os que forçados à política nada desejavam senão o domingo pra ir com a família no jardim zoológico dar pipocas aos macacos1. Daí, quando os príncipes, políticos de carreira, perceberam o número potencial de simpatizantes que essa atitude angariava, passaram eles mesmos a engrossar as filas do front anti-machiavelli.

Niccolò tornou-se mais um pensador indigente fadado a esconder-se entre os livros no banheiro de alguns príncipes – a cabeceira da cama era exposta demais pra se deixar lá em cima um texto infiel. E, apesar de todo esse ostracismo post-mortem, quando dois de seus admiradores se encontravam, ainda se saudavam com um sonoro “morte longa ao Nicolau!”. E assim agiam porque lhes era permitido, por saberem que honrar sua memória seria não se preocupar em apunhalar seu mestre pelas costas desde que, com isso, se pudessem contabilizar algumas cabeças a mais a seu favor.

O italiano satisfez-se: é provável que eternamente goze dos favores reais – ainda que no mais mórbido dos silêncios. Afinal, ninguém mais poderia pensar em ser rei sem seus conselhos, ainda que escondidos ao lado da pia do banheiro. Esteja onde esteja, sua fama seria irrefutável, mesmo que de privada em privada. Não era isso o que tanto queria?

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1 – Antes de ser acusado de plágio vil, digo que a frase “o domingo pra ir com a família no jardim zoológico dar pipocas aos macacos” foi tirada da música “Ouro de Tolo” do bom e velho Raul Seixas.

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