O galo não canta. Galo não há. Aqui,
apenas uma cama, cobertas amassadas e teu corpo despido de pudores. O meu,
encaixado, passa uma perna por dentre as tuas. Teus pés escapam com o meu dos
lençóis, enquanto uma das minhas mãos se estica por cima do teu lado,
quedando-se por sobre a tua. Meu outro braço por baixo do nosso travesseiro
compartilhado.
Abro os olhos: não é sonho. Fecho-os, sinto-te o
cheiro, seguro tua mão por baixo da minha. Abro-os novamente quando te mexes.
Apenas um pouco. Adormecida com ar de riso cuja visão me embriaga. Trago a mão
para tua nuca exposta pelos cabelos desgrenhados no travesseiro. Respiro no teu
ouvido e tu, depois de um bocejo, respondes gemendo e fazendo força com os pés tanto
para se esticar quanto para prender o meu. Teu braço passa sobre minha cintura
e engancha-se nas minhas costas a fim de deixar-me bem rente a ti, quase nos
confundindo. Sorris, ainda de olhos fechados, quando arrasto minhas unhas por
teu pescoço até a nuca. Riso maluco, riso de quem quer. Como quisemos na noite
anterior. Como queremos.
* * *
Eu tive certeza de que aquela noite não teria fim.
A mesma que eu tinha de que nunca mais nos desgrudaríamos. Aquela certeza dos
que experimentam a singular capacidade dos desejos de emperrar ponteiros e confundir
cartógrafos.
Relógio para um lado, teu vestido para baixo,
minhas roupas em qualquer lugar bem longe do corpo. Meu corpo em todo lugar em
volta do teu.
Com o tempo há muito parado, a noite nos velou por muito
amor. Enfim, porém, desistiu de nos acompanhar e decidiu partir de tão cansada. Para nós, no entanto,
não havia noite ou dia, sol, céu índigo ou Atlântico Sul! Mesmo quando a luz
esgueirou-se para dentro do quarto, não pude vê-la, apenas teus pelos dotados
de luz própria e as gotas de suor que eles ciceroneavam por toda a extensão das
tuas pernas.
* * *
Tanto desejo... mais vontade! Beijo-te as
panturrilhas e mordo-te as coxas: te quero devorar! Você me segura pelos
cabelos – sem me conter! Não poderia, nada me pode parar! Não agora, nada aqui,
não no nosso lugar. Não quando o que você menos quer é que eu pare: risos com
que me acaricias os ouvidos, pernas com que me abraças o tronco, seios com que
te espalhas sobre mim e me apertas e mordes e marcas e nos amamos!
“Não, não se pode. Ninguém pode ser tão feliz!”.
Teus olhos brilham vezes a fio a cada palavra. E eu, impotente de qualquer
coisa senão sorrir e encarar-te, deito a cabeça ao lado do teu pescoço por
querer – sem merecer – nada além da paz do teu cheiro suado depois de amar.
“Nós temos que ir.”
“Temos.”
“Já é dia.”
“Claro.”
“Mas...”
“O que?!”
“Tudo ainda tão calmo.”
“Não temos?!”
“Temos!”
“Então?!”
“Deixa.”
“O que?”
“Cantar o galo.”
Ainda não olhei pela janela para saber de galos ou
dromedários. Na realidade, cheguei a aproximar-me da varanda na véspera, quando
teus olhos fitavam qualquer coisa do lado de fora e eu resolvi te mostrar como
nada seria mais interessante que nós dois.
Nós que aqui estamos. Em paz. Sem cantos, galos ou tic-tac’s. Nós que
aqui somos. Só nós. Nada mais.