quinta-feira, 31 de julho de 2014
Quando o Galo Cantou
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
whatever works
Tradução livre: “Eu odeio as festas de ano novo, todos loucos pra se divertir, tentando comemorar de algum jeitinho patético. Comemorar o que? Um passo a mais pro caixão? É por isso que eu nunca me canso de dizer: qualquer amor que você possa dar e receber, toda felicidade que você possa conseguir ou oferecer, qualquer bem, ainda que mínimo e circunstancial, tudo pode funcionar! Mas não se engane, fazer com que deem certo de forma alguma cabe à sua própria ingenuidade humana, pois uma parte maior da sua vida do que você gostaria de admitir resume-se à sorte. Nossa, você sabe as chances de somente aquele esperma do seu pai, entre bilhões, encontrar o único óvulo que formou você?! Não pense nisso ou você terá um ataque de pânico!”
Tudo pode dar certo. Pode. Mas, se pode, então pode também dar errado. A sorte nos lança na vida com um grau de certeza inversamente proporcional ao de aleatoriedade. Em outras palavras, enquanto o mais próximo futuro é completamente incerto e imprevisível, ao se tornar presente, num dia, num suspiro, um instante, praticamente tudo é possível transformar-se em realidade. Num sopro da mais padrão normalidade, tudo pode mudar, ou apenas algumas coisas. Pode morrer, renascer, virar de ponta cabeça ou até continuar na mais imutável inércia dos fatos.
Há quem acredite que quanto maior o grau de incerteza, mais vale à pena viver. Pra outros, porém, pensar que da vida não se tem o controle dá calafrios. É bom, no entanto, que todos se conformem com a realidade dos fatos: em cada instante de um novo dia há, sempre e sem exceção, dois elementos presentes, duas forças agindo concomitantes e complementares: sorte e escolha. O primeiro é invariável, a presença implacável do que nos foge ao controle. É o aleatório. O segundo, por sua vez, é a manifestação da nossa vontade. Nós sempre temos opções – mesmo que nenhuma agrade. E cada novo caminho tomado nos levará a novos e estes a outros ainda e outros e outros e... Sorte e escolha, ambas sempre presentes, condicionam-se mutuamente e o resultado dessa equação é o que costumamos chamar de “vida”.
Óbvio que, pra poder escolher entre dois caminhos de uma bifurcação, ela precisa antes existir e quem a faz aparecer é a sorte. Claro também que a gente constrói nossa história a partir das próprias escolhas, mas não se engane: se, por qualquer acaso, teu pai tivesse demorado alguns segundos a mais pra ejacular àquela noite, não seria você, mas outro o espermatozoide “vencedor”. Da mesma forma como seria se você (pelo menos sua metade paterna) não tivesse se esforçado tanto. É isso: mesmo quando a gente tem apenas meia dose de cromossomos as duas já estão presentes: a tal da sorte e sua companheira, a escolha.
Quer dizer, sorte, deus, destino, nomes diversos pro mesmo evento: a manifestação de nossa racionalidade buscando alguma razão que justifique a aleatoriedade dos fatos da vida. Talvez, então, a gente devesse deixar de ser tão racional e, quem sabe, não aceitássemos melhor a vida bem do jeito que ela é: uma sucessão de razões improváveis loucamente concatenadas e fins absurdamente imprevisíveis. Por sinal: “fins”? Fora a morte, tudo na vida parece ser nada além de começo. Nada, contudo, começa sem que nós o desejemos e façamos por onde começar.
O melhor exemplo? Quem adivinha? Ah, também não é tão difícil: o amor. Amar é assim, ninguém pode escolher quando e por quem se apaixonar, mas não há quem ame sem decidir abrir-se para amar. Amor é uma escolha, portanto? Não! De jeito nenhum! Cruz credo! Amor não é uma escolha, mas deixar de amar é. Fechar-se pro amor – ou dele fugir – encontra-se na esfera da vontade própria tanto o quanto é aleatória a mais patética paixão. E isto, ao contrário do que dizem os homens de vestido – quer chamemos tais panos de toga ou batina –, não acontece num simples momento, ao menos não num momento senão por dia: amar é uma escolha diária, de preferência matinal – a não ser que você seja daqueles seres soturnos, que pra se transformar em coruja faltam apenas olhos esbugalhados e meia dúzia de penas. Abrir-se ao afeto, à vivência dos relacionamentos, deixar entrar o desejo de amar e ser feliz é sentido, fim e, sobretudo, princípio fundamental e contínuo de cada dia de nossas vidas. Por isso, como disse o sábio ranzinza no filme acima:
Resta-nos abrimos as trancas pra quando o amor chegar, ainda que da menos esperada dentre as imprevisíveis formas, vá entrando sem sequer ter que bater à porta.
domingo, 24 de julho de 2011
Carina e Thor
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
O Especialista
O velho mogno escuro jamais havia ressoado daquela forma. Não somente os passos firmes dos sapatos faziam tremer a madeira do chão, mas a tensão no ambiente. Assim como o chão, as paredes, as cortinas, portas e janelas, tudo e todos os presentes na ante-sala pareciam compartilhar da mesma apreensão, o que transformava o ambiente repleto de ar num quase vácuo em que o mais difícil era respirar.
Naquela ante-sala, só os homens estavam, à exceção da ama. Permitiu o Senhor da casa que ela permanecesse recostada numa cadeira no canto, próxima à parede, em razão de haver sido a primeira a presenciar o ocorrido: quando entrou no quarto da patroa cantarolando como sempre, mal sabia o que lhe esperava, e qual não foi seu horror quando viu sua senhora estirada na cama manchada de sangue.
Talvez, mais apropriado falar em “ordem” que em “permissão” do Senhor. Afinal, quando acudiram todos aos gritos da mucama, o dono da casa grande mandou sair a negra dos aposentos de sua senhora e, na sua frieza habitual que já nem mais chocava os parentes e empregados, ordenou que o especialista fosse trazido imediatamente. “Pouco me importam as horas que sejam, se é noite escura ou qualquer coisa, tragam-no já, agora! Só ele pode tomar as devidas providências”.
Apesar da hora avançada, ele apareceu impecável na casa , o especialista. O paletó era marrom escuro, mas foi logo tirado na antes-sala, assim que ele falou com o Senhor. “Pode deixar, nada me há de passar despercebido. Nada terá sido em vão”. Com um aperto de mão selaram o acordo e os passos do especialista ressoaram ainda, até que a porta do quarto da senhora fechada atrás dele fê-los emudecerem, bem como todos os homens presentes na ante-sala já estavam.
O tempo parecia não passar. O tio enrolava os bigodes, o primo tentava encontrar algum cabelo na careca que pudesse também ele enrolar. O Senhor já não suportava mais a enrolação lá dentro do quarto, queria saber logo e tudo, queria saber de sua Senhora!, mas o que quer que acontecesse lá dentro, a porta pesada o impedia de ouvir.
Gritos, urros, choro: os únicos sons capazes de ultrapassar as paredes e a porta de madeira maciça somente deram as caras ao final, logo antes de que o especialista suado e com as mãos sujas de sangue aparecesse através da porta dizendo, enfim: “nasceu, meu Senhor. Pode se acalmar, pois seu filho, enfim, nasceu”.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Ninguém é indispensável
Acreditar que ninguém é indispensável é um ato de amor. Não sei se Lord Byron concordaria com isso porém, em caso negativo, eu lhe contaria um segredo: mesmo depois de ele morrer, o mundo não parou de girar.
Se, pra cada morte de um ser humano, outro se matasse, a população mundial não teria atingido as cifras a que chegou. E, ainda que o mundo não seja lá o lugar mais tranquilo e feliz, com certeza seria, hoje, mais sombrio e melancólico, nessas “circunstâncias suicidas”. O fato é que não é assim, a vida não é assim, pois os dias dos que ficam continuam nascendo e se pondo, ainda quando os outros se vão.
E isso vale não só pra morte do corpo, mas pra dos sentimentos, da memória, pra quando alguém parte, sai de casa, viaja pra voltar ninguém sabe quando. E os que ficam? Bom, esses, no último momento, quando em vez de obstarem a partida do outro, apenas o abraçam e beijam e desejam boa viagem, esses demonstram aí todo o seu amor.
Não há amor sem liberdade. E dizer isso não torna este texto uma cartilha pró-relacionamentos abertos, mesmo porque decidir relacionar-se ou não com alguém sem as amarras da fidelidade é um exercício, no mínimo, da liberdade de pactuar. A liberdade numa relação conjugal é bem mais ampla que o simples conceito de fidelidade. É reconhecer em quem se ama um inteiro, uma pessoa, linda exatamente por ser completa. Quem quer uma “metade” de laranja pra se completar deve começar procurando-a numa sessão de psicoterapia, pois nenhuma relação que não entre “inteiros” pode ser saudável.
Ser menos carente, tornar-se menos dependente do outro é escolher amá-lo. Reconhece-lo como ser humano completo e, nessa completude, tão encantador a ponto de nos fazer apaixonar, é deseja-lo feliz. E quando fazemos isso, só quando queremos a felicidade de alguém é que podemos iniciar a felicidade conjunta, conjugal ou não.
Prender o outro, fazer dele sua posse, portanto, faz tão pouco sentido quanto querer estar com ele sem que ele também o deseje. Ao contrário, aceitar a possibilidade sempre presente da partida, de que ele nos deixe é desejar o seu bem, posto estarmos escolhendo a sua felicidade, pois permanecemos juntos acima de tudo porque a gente tem vontade e quer um ao outro e assim somos felizes; além de ser ato de amor próprio, porque afrente de qualquer vontade alheia, colocamos o nosso desejo de sorrir e reconhecemos que, pra isso, melhor estar sozinho que com quem não nos queira bem.
Pra quem, enfim, livra-se do peso de se preocupar com a possível partida, com a possibilidade do fim, o dia costuma amanhecer mais claro. Não por maior incidência dos raios solares, mas pelo sentimento que de repente surge de ser a vida boa agora, neste instante, bem quando devemos aproveitá-la, pois o amanhã importa tão pouco quanto tudo aquilo que não nos cabe conhecer. Mais importante do que prever o futuro torna-se viver o presente. Antes de pensar na partida, aproveitar o agora, quando estamos juntos e felizes. É a leveza do verdadeiro afeto, que não demanda nomes, assinaturas ou instituições pra existir. É a tranquilidade de quem está próximo porque quer e sabe ser a mesma coisa com os que o cercam. É a vontade de ter prazer despida de receios, em meio a sorrisos, amigos e conversas fiadas, pequenos ou grandes prazeres ao longo de uma longa noite que pouco importa quando vai terminar, mais importa é que já teve início.
Se amanhã a gente ainda pode amar, hoje faço hora extra no trabalho. Mas se tudo sempre pode acabar em despedida, melhor comprar-lhe logo aquele buquê de rosas pra ver abrir-se seu sorriso lindo mais uma vez. Melhor viver agora, antes que seja tarde.