segunda-feira, 19 de abril de 2010

Como diz o poeta



Te quero sem querer,

mas ainda te quero

e ainda mais por te temer.


É que em ti tudo eu receio:

sobretudo que me faltes,

que o medo me convença

ser melhor te deixar

mesmo sem deixar de te amar.


Afinal, amor equivocado

não é aquele que duvida,

mas o que diz “não te amo”

quando sabe amar.


Preferir o medo a se apaixonar...

Não, não, isso não é viver:

o medo é a consciência batendo à porta;

amar, a liberdade do espírito,

tudo o que deseja o coração.


Eu mesmo,

temo quando estou só

e, como amor e solidão

não costumam se dar,

sozinho tenho apenas medo

e é junto a ti que aprendo

o que é gostar.


E, como diz o poeta,

apaixonar-se sempre vem

de cá com seus riscos,

pois mesmo unidos

ainda podemos errar:


assim, quando tua mãe

nos recomendar cuidado,

lhe digamos pra não se preocupar:

“temos juízo, mamãe,

e é por isso que ao amar

nunca estamos sozinhos,

só de mãos dadas.”

sábado, 10 de abril de 2010

A gente não sabe mais ser feliz

A gente não sabe mais ser feliz. Ou até saiba mas tem vergonha ou falta a vontade, sei lá. Mais parece que, com tanto relógio e ponto a ser batido, desaprendemos como fazer pra sorrir, até chegarmos a... isso: temer o próprio sorriso quando temos vontade de ser feliz! Claro que sempre virão os niilistas descrentes fanáticos com aquele discurso pronto cheios de palavras de ordem: “mas nós nunca fomos felizes”. É verdade, os que falarem isso nunca o foram – não têm imaginação suficiente pra alcançar a felicidade. Pois bem, em homenagem a eles sejamos didáticos: pra que saber se já houve um tempo em que fomos realmente felizes? Se for tão importante assim, criemos uma abstração pra ilustrar a felicidade, como fez uma cambada de teórico na história da humanidade. De fato importante é a irrefutável certeza de que cada homem e mulher nasceu com somente uma razão: a de ser feliz na vida.

Se não fosse dessa maneira, eu diria que os “céus” ou a “natureza” (de acordo com a crença do freguês) seriam extremamente cruéis e injustos. Nascemos, sim, destinados à felicidade, por isso nos foi dado um coração. Falo do coração dos amantes, não o dos médicos (às vezes, tenho dúvidas se médicos e médicas sabem o que é um coração pra amar...). Mas o Criador, cheio de peso na consciência, não quis ser injusto com o resto da criação por dar ao ser humano tamanho privilégio assim, de mão beijada, e resolveu fazer de nós também conscientes. No Gênesis chamam a tal consciência de “maçã”, mas podia ser pêra, banana ou melancia, tanto faz. O importante é que, conscientes de nós e do mundo, passamos a nos entreter e distrair e perder tempo na tentativa de entender tudo... e, enquanto tentamos entender, deixamos de conhecer: esquecemo-nos de viver! Deus, contudo, na sua eterna misericórdia, desde o primeiro dia (lá na macieira) vem tentando nos fazer perceber que há somente uma coisa a se entender na vida: que nada precisamos entender a fim de ser feliz, apenas devemos ouvir o que diz o coração.

Nossa, tão clichê de se dizer isso, não?! Porém, antes me chamarem de brega que mentiroso; sim, porque clichê pode até ser, mas essa é uma das maiores verdades que existem. E, sinceramente, acho que somente a classificamos como clichê por não conseguirmos alcançá-la. O nível de desenvolvimento técnico a que chegou a humanidade é impressionante. Desenvolvemos os reatores – e lá vêm as bombas. Criamos a internet – e desconhecemos a privacidade. Curamos um grave câncer – mas só de quem possa pagar. Triplicamos a produtividade agrícola – a fim de que as galinhas tenham uma alimentação saudável e balanceada... e as pessoas ainda insistem em morrer de fome! É, nosso desenvolvimento tecnológico é impressionante; pena que o maior produto de noites mal dormidas num laboratório seja filhos neuróticos e amores frustrados: perguntem ao Joãozinho, filho de 2 anos da Profa. Dra. Isabel Fontana – renomada biogeneticista – de que interessa a ele o resultado de uma grande pesquisa de sua mãe com um gordo financiamento. Provavelmente ele não vai responder: desenvolveu uma timidez quase patológica há alguns meses. E, apesar de sua mãe não o saber: foi por carência, por sentir falta dela. É verdade – claro! – que a vida de Joãozinho deve superar em muitos anos a de seus avós e grande parte disso é responsabilidade do desenvolvimento técnico trazido pelo esforço e pelas noites de cientistas e pesquisadores, como a Profa. Dra. Isabel Fontana, dolorosamente afastados dos filhos. Mas, droga: esqueci de lhe perguntar se prefere passar tantos anos sozinho ou escolhe viver bem menos, tendo sua mãe toda noite colocando-o pra dormir. Bom, não sei dele, mas eu gosto tanto do carinho de mainha...!

Pelo menos quando se trata de equações, a gente sabe que existe um resultado certo – e todos os outros estão errados. Pensar é fácil, difícil é amar. Ou, no mínimo, permitir-se amar e ser feliz. Se é culpa cristã, preguiça ou qualquer outro motivo, não sei, mas com certeza a gente desaprendeu como fazer pra ser feliz. E bem por isso, no momento em que encontramos a felicidade, ficamos sem chão e sem saber como agir, o que fazer, onde meter as mãos. Não: ser feliz numa sociedade de técnicos frustrados dá medo! Melhor mesmo esquecer a tal da felicidade. Ok, esquecer completamente não, mas nada além do efeito de um baseado sexta-feira a noite ou uma rapidinha no sábado. Acima disso, felicidade só dá medo! Melhor que se deixar levar por ela, é ficar onde estamos, tratar com o que já conhecemos e que, bom ou ruim, nos é habitual (e, por essa razão, não assusta como assusta a possibilidade de ser feliz): numa sociedade de técnicos frustrados que esqueceram de sorrir e amar, “medo” é o nome desse lugar onde estamos nós.

O problema maior surge quando até quem se dispõe à felicidade, quem afirma pra si “sim, eu posso amar!” passa a ter medo de sorrir. Não que o medo já não existisse, não é isso: temer nos é tão inerente e instintivo quanto a necessidade por água, comida e amor. O problema é o egocentrismo desse amor: é característico dele não saber conviver com nenhum outro sentimento. É ele e pronto e, se algum outro, em qualquer momento, torna-se maior e toma-lhe a frente, já vem ele enciumado querendo ir embora. E o medo até acalanta quem o sente com mais intensidade do que sente o amor; mas e quanto ao outro, à outra pessoa que ainda ama? Como fica ela, sem medo e sem reciprocidade em seu afeto?! Amar sem ser amado... pobre de quem passa por isso! Por isso a gente precisa relativizar a mentira: tem vezes em que mentir nem é tão repudiável. É só olharmos pra quem ama sem ser correspondido: quando o medo se mete num coração que antes amava, obriga o outro à mentira, a declarar aos sete ventos que também ele deixou de amar. Não porque não mais ame de verdade, nem por pretender que seus amigos e parentes acreditem naquelas palavras. Quem ama sem ser amado afirma não amar por precisar convencer a si próprio, não aos outros. Se apega ao velho ditado que diz: “uma mentira repetida por cem vezes torna-se verdade”. Então, “eu não a amo, eu não a amo, eu não a amo...”. Ainda que pra isso rasgue o peito e estoure os miolos, apenas mente que o ser amado deixou de ser o vício da sua vida por precisar mentir, porque se dispõe a ser feliz mas sabe que é impossível ser feliz sozinho.

Certa vez, tive um amor me deixou porque... porque me amava! Ou melhor, deixou por receio. Ficamos juntos até o dia em que ela se deu real conta de que me amava. Mas como não queria chamar de amor o que sentia, preferiu me deixar. É, acho que o mais apropriado é dizer que meu amor me trocou pelo medo de amar. A confiança, a cumplicidade, as declarações, carinhos e afetos, nada foi suficientemente maior que seu medo de amar. Não a culpo, também, crescer – como quase toda garota – com uma mãe ao pé do ouvido dizendo que a mulher deve se esforçar a fim de não ser pegajosa nem sufocante, além da necessidade de ser independente, claro... e de repente, se olha no espelho e vê sua cara de peixa-morta, completamente apaixonada... E nem só a mãe, mas todo o resto do mundo: do que ela não se dá conta é de ser este o mesmo mundo que desaprendeu como se faz pra ser feliz.

Como um grande lago é o amor, atraente, imenso e belo feito nada. Talvez só não tão belo quanto os olhos da mulher amada. Mas quanto maior o lago, quanto mais longe for a margem oposta, mais medo temos de nos atirar e dele nunca mais descobrir onde é a saída. Assim é o sentimento: maior o amor, mais medo nos dá. Ainda porque não há lago tão profundo como o mais raso dos amores. Por isso não a culpo, aquela de que falei lá em cima. Na verdade, não me cabe julgá-la, menos ainda condená-la! Eu apenas a aceito, nas suas decisões, nas discussões e desejos: enquanto ela der ouvidos ao seu coração, pouco importa o que queira ou como queira: seu coração está sempre certo, ainda que esteja errado. E, de qualquer forma, não dizem haver doido pra tudo? Pois bem, talvez ela só estivesse assim, doidinha, e nesse momento de insanidade achou até possível ser feliz sozinha.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Morrer de amor


– Amor, já tá dormindo?
– Não, amor, o que foi?
– Nada demais, só queria saber se você me ama?
– Amo, claro.
– Faria tudo por mim.
– Qualquer coisa, amor.
– Até dar a sua vida por mim, você daria?
– Agora, se fosse preciso. Mas, como não é, que tal irmos dormir?

...

– Amor, já ta dormindo?
– Não, amor, o que foi?
– Nada demais, só queria um copo d’água, tenho sede.
– Humm... interessante.
– Você não pode ir pegar pra mim?
– ...
– Amor?
– Ronc!

Já se foi o tempo em que se morria de amor. “Morreu? De que?” e o outro responde “Por amor”. Ou damos uma grande gargalha ou nem entendemos mais do que se trata: “o que é isso, a sigla de uma doença recém-descoberta?”. Não, ninguém mais morre de amor. Trabalho, estudos, aquela promoção com que sempre sonhei... roda o relógio e eu preciso ir no banco, gira o ponteiro e eu sigo pro supermercado, os ponteiros correm tanto que eu quase esqueço de pegar as crianças no supermerc... digo, na escola. E no meio de tudo ainda me vem um engarrafamento desses! E tome buzina, e tome buzina e tome buzina. Ah, também quando chegarem as férias, faço a viagem dos meus sonhos ao Caribe. Quem vem comigo eu não sei, mas eu vou. Claro, preciso arranjar dinheiro pra isso. Preciso ganhar dinheiro com um trabalho. Por sinal, preciso de um emprego melhor pra ganhar mais dinheiro pra viajar ao Caribe. E preciso renovar o guarda-roupa pras entrevistas chiques de emprego e... ai, celular chato! “tá, amor, chego em casa mais tarde”... quando me aposentar ainda aprendo a velejar e depois vou passear no shopping, participar de um rally e jogar truco com os amigos na praia...

Quem nos pode culpar? Há tanto a se fazer, tanto que planejamos, quem mais tem tempo pra amar? Digo, pra amar não, pra amar sempre há um tempinho, no fim do expediente, sexta-feira à noite, “é até bom que a gente descansa”. Mas amor maior? E mais, morrer de amor? Pra isso não há tempo não.

Não haver mais tempo pra isso significa, obviamente, que ninguém mais morre de amor? Pode até ser, mas prefiro não pensar assim. Digo, então, que o fato é que não se morre por um amor de sexta-feira à noite. Por sinal, nunca nos dispusemos a morrer por amores adjetivados, mas, somente, pelo simples amor. É aquele substantivo puro, o afeto, o tão alardeado – e gostoso – amor: esse mesmo que é o maior (e único!) de todos. Quem ama acreditando já haver amado anteriormente por uma vez que seja – esse sim nunca se disporia a morrer por amor – não ama de fato, pois o amor é incapaz de reconhecer que já houve anteriormente, se for amor de verdade. Amar é tão incrível e maravilhoso que a gente acredita jamais haver sentido nada igual e o melhor: é verdade! Jamais o sentimos antes. Nunca! Na vida, apenas amamos uma vez e é sempre a última.

Na Alemanha oitocentista havia uma clara divisão entre os mortos e os vivos, isto é, os que haviam lido Fausto e os que se recusavam. Morrer de amor pro romantismo alemão era padrão (e ainda os chamam de frios), estranho era ser capaz de manter-se vivo se apaixonado. Hoje, as coisas parecem um pouquinho diferentes... mas somente um pouquinho? Nestes dias, tem sido válida a lei do menor esforço: se eu juro que a mulher ao meu lado é impreterivelmente minha, não há porque de mais jantares à luz de velas, de novas núpcias a cada fim de semana: pra que empenho a fim de conquistar o que já foi conquistado? Pra que se esforçar, pra que se estressar... ela já é minha. Hoje e eternamente minha. Mais confortável é sentar na poltrona e ver TV e, se ela me ama, vai entender até isso como prova do meu afeto.

Talvez sejam hoje frios os alemães (só um palpite) por lembrarem do que o romantismo fez com eles. E, se tem algo que parece imutável desde então e em qualquer lugar é a tal da carência afetiva. Em razão dela existem mulheres e homens apelidados de “minha” e “meu” por seus parceiros. No final das contas, porém, pretender-se dono de alguém é um atestado de preguiça e/ou temeridade. Isso mesmo: chamar de “meu” ou “minha” qualquer ser humano é colar na própria testa um adesivo bem grande “preguiçoso” ou “medroso”. Medo por descrença, por precisar afirmar pra si toda vez a mentira de ser dono de algo que a ninguém pertence. Preguiça por deixar de aceitar a realidade de que o amor nunca é estático, nunca para, jamais pode ser contido: se tentamos barrá-lo, das duas, uma: ou ele derruba a barreira imposta, ou se retrai. Nos acomodamos não no amor, pois amar é incompatível com acomodação, mas na situação social em que a relação nos insere. Num dia-a-dia assim tão corrido, cansativo como jamais houve, é bom ter a certeza do “meu” arroz com feijão, de uma “minha” namorada, noiva, mulher e até amante, que vai me ajudar a manter a agenda sexual em dia e não me fará sentir inseguro... mesmo que, pra isso, também não me faça sentir mais nada.

Amar dói, machuca, não é confortável. Talvez nem seja tão absurdo dizer que todos os enamorados são masoquistas: por querer amar, isto é, por gostar de sofrer(?). E não só o amor humano, mas até o divino, pois o Cristo não veio pra trazer a paz, mas sim a espada. O amor carrega consigo a prerrogativa de ser a maior força de que se teve notícia: capaz de destruir montanhas e impérios... e, sobretudo, capaz de gerar uma nova vida! Isso é o que eu chamo de potência, papai do céu! O poder do ato de amar faz dele nunca calmo e impassível; sempre violento: no desejo, no afeto, no descanso, no bem-qerer-bem e até na brandura ou na paciência de ouvidos atentos. O amor se mostra, não passa despercebido. Amar é sempre intenso e desconhece o “não querer”, o “querer menos”, “querer pouco, quase nada”. Quem ama quer. Quer! E quer ainda mais, sempre mais. Por isso se afundar no conforto cômodo das almofadas da sala não é senão faltar com amor. Amar aproxima-se mais de sentir a própria vida desgraçada por não ter o ser amado consigo, ou nem mesmo sentir um resquício de vida pulsando nas veias: “vida é quando estamos juntos, separados somos apenas a expectativa, a esperança de viver”.

... que ela seja, eternamente, minha amada, pois de propriedades já basta a caneta com que se escreve este texto!

Agora, peço licença pra encerrar, pois tenho uma vida de que dar cabo: infelizmente moro no primeiro andar, acho que nem me atirando de cabeça no chão dá pra fazer grandes estragos. Será que o vizinho do 17º vai se ofender se eu pedir pra usar sua varanda?

– Pra que? O que você quer na minha varanda?
– Nada vizinho, nada demais. É que eu estou amando e, por conta disso, tenho uma vida de que dar cabo.
– Hã?!
– Não somos românticos alemães, mas ainda somos gente e, em se tratando de seres humanos, você sabe como é, né, vizinho: amar só tem graça se pra morrer de amor.

Arrivederci!