quinta-feira, 17 de novembro de 2011

whatever works


Tradução livre: “Eu odeio as festas de ano novo, todos loucos pra se divertir, tentando comemorar de algum jeitinho patético. Comemorar o que? Um passo a mais pro caixão? É por isso que eu nunca me canso de dizer: qualquer amor que você possa dar e receber, toda felicidade que você possa conseguir ou oferecer, qualquer bem, ainda que mínimo e circunstancial, tudo pode funcionar! Mas não se engane, fazer com que deem certo de forma alguma cabe à sua própria ingenuidade humana, pois uma parte maior da sua vida do que você gostaria de admitir resume-se à sorte. Nossa, você sabe as chances de somente aquele esperma do seu pai, entre bilhões, encontrar o único óvulo que formou você?! Não pense nisso ou você terá um ataque de pânico!”


Tudo pode dar certo. Pode. Mas, se pode, então pode também dar errado. A sorte nos lança na vida com um grau de certeza inversamente proporcional ao de aleatoriedade. Em outras palavras, enquanto o mais próximo futuro é completamente incerto e imprevisível, ao se tornar presente, num dia, num suspiro, um instante, praticamente tudo é possível transformar-se em realidade. Num sopro da mais padrão normalidade, tudo pode mudar, ou apenas algumas coisas. Pode morrer, renascer, virar de ponta cabeça ou até continuar na mais imutável inércia dos fatos.

quem acredite que quanto maior o grau de incerteza, mais vale à pena viver. Pra outros, porém, pensar que da vida não se tem o controle calafrios. É bom, no entanto, que todos se conformem com a realidade dos fatos: em cada instante de um novo dia há, sempre e sem exceção, dois elementos presentes, duas forças agindo concomitantes e complementares: sorte e escolha. O primeiro é invariável, a presença implacável do que nos foge ao controle. É o aleatório. O segundo, por sua vez, é a manifestação da nossa vontade. Nós sempre temos opçõesmesmo que nenhuma agrade. E cada novo caminho tomado nos levará a novos e estes a outros ainda e outros e outros e... Sorte e escolha, ambas sempre presentes, condicionam-se mutuamente e o resultado dessa equação é o que costumamos chamar devida.

Óbvio que, pra poder escolher entre dois caminhos de uma bifurcação, ela precisa antes existir e quem a faz aparecer é a sorte. Claro também que a gente constrói nossa história a partir das próprias escolhas, mas não se engane: se, por qualquer acaso, teu pai tivesse demorado alguns segundos a mais pra ejacular àquela noite, não seria você, mas outro o espermatozoidevencedor. Da mesma forma como seria se você (pelo menos sua metade paterna) não tivesse se esforçado tanto. É isso: mesmo quando a gente tem apenas meia dose de cromossomos as duas estão presentes: a tal da sorte e sua companheira, a escolha.

Quer dizer, sorte, deus, destino, nomes diversos pro mesmo evento: a manifestação de nossa racionalidade buscando alguma razão que justifique a aleatoriedade dos fatos da vida. Talvez, então, a gente devesse deixar de ser tão racional e, quem sabe, não aceitássemos melhor a vida bem do jeito que ela é: uma sucessão de razões improváveis loucamente concatenadas e fins absurdamente imprevisíveis. Por sinal:fins? Fora a morte, tudo na vida parece ser nada além de começo. Nada, contudo, começa sem que nós o desejemos e façamos por onde começar.

O melhor exemplo? Quem adivinha? Ah, também não é tão difícil: o amor. Amar é assim, ninguém pode escolher quando e por quem se apaixonar, mas não há quem ame sem decidir abrir-se para amar. Amor é uma escolha, portanto? Não! De jeito nenhum! Cruz credo! Amor não é uma escolha, mas deixar de amar é. Fechar-se pro amor – ou dele fugir – encontra-se na esfera da vontade própria tanto o quanto é aleatória a mais patética paixão. E isto, ao contrário do que dizem os homens de vestido – quer chamemos tais panos de toga ou batina –, não acontece num simples momento, ao menos não num momento senão por dia: amar é uma escolha diária, de preferência matinal – a não ser que você seja daqueles seres soturnos, que pra se transformar em coruja faltam apenas olhos esbugalhados e meia dúzia de penas. Abrir-se ao afeto, à vivência dos relacionamentos, deixar entrar o desejo de amar e ser feliz é sentido, fim e, sobretudo, princípio fundamental e contínuo de cada dia de nossas vidas. Por isso, como disse o sábio ranzinza no filme acima:

Resta-nos abrimos as trancas pra quando o amor chegar, ainda que da menos esperada dentre as imprevisíveis formas, vá entrando sem sequer ter que bater à porta.