terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Mariana, a mãe de Gabriela

Ela não tinha sete meses quando foi morta. Braços e perninhas amputados e, por fim... bom, este texto não é um folhetim dos horrores pra que sua morte seja descrita em detalhes. Fato é que morreu e não por causas naturais, mas voluntariosas, de uma vontade que não a sua.


Chamemo-na de Gabriela. Não que tenha de fato recebido esse nome, mas era assim que a mãe sempre sonhara em chamar a primeira filha.

Foi meio a uma discussão sobre se Gabriela já possuía real vontade que a mãe conheceu Patrícia e chegou como convidada a uma ONG feminista. Em meio aos debates sobre machismo, sexismo no ambiente de trabalho e discriminação no trânsito, surgiu o tal fadado assunto do aborto: e Mariana – a mãe – não soube exatamente como reagir quando lhe disseram do fundo arrecadado para a promoção de cirurgias a fim de que a mulher grávida pudesse transpor as barreiras da opressão de gênero e tivesse autonomia sobre seu corpo.

Se Gabriela não houvesse morrido antes de aprender português, provavelmente perguntaria se ninguém pensava na autonomia do seu corpo. Mas ela não podia falar e como quem cala consente – inclusive pessoas impossibilitadas, como bebês de barriga – sua vontade foi apenas ignorada.

Antes, a mãe estava certa de que Gabriela deveria nascer. Todavia, com a graça da razão, Patrícia lhe abriu os olhos e a fez enxergar como, na verdade, aquele era um pensamento machista predominante na sociedade que tinha sido incutido no seu pensamento à força da opressão e só então Mariana pode tronar-se realmente livre.

E, livre, viajou ao estado vizinho – acompanhada por Patrícia. E, livre, sentou-se na sala de espera da clínica suando frio – mas não importava, Patrícia lhe dava a mão. E, livre, Mariana finalmente encaminhou-se pra sala da libertação; mas, ali, Patrícia não pode entrar...

... e, nem mais tão livre, o medo a fez pensar em vacilar, mas as palavras de Patrícia insistiam que não. “A voz de Patrícia é o som da liberdade”...

... e, sem qualquer resquício de liberdade, a mulher fraca vacilou perante a opressão machista sobre seu corpo:

Antes que a tocassem, a mãe de Gabriela correu e deixou a clínica e uma atordoada Patrícia pra trás e resolveu voltar a morar com a mãe que a recusara como filha: “não sou mãe de quem mata minha própria neta”. Assim, pobrezinha, viveu o resto de seus dias oprimida porque tinha que acordar exausta no meio da noite pra dar de mamar a Gabriela... e, que estúpida, ainda assim, ao olhar o rostinho da criança, achava-se a mulher de maior sorte do mundo, por haver escolhido a vida de Gabriela em lugar da sua liberdade e emancipação.

Droga! A menina foi salva: agora, preciso reescrever o início deste texto. Criança só sabe mesmo dar trabalho.

Um comentário:

  1. texto massa. com uma singularidade poética incrivel. o final faz abrir um sorriso no rosto com a surpresa da história.
    sobre o tema do aborto, bem debateremos um dia, tomando uma no bar...

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