quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sal

Um grande amigo, certa vez, me disse pra escrever uma história sobre o fogão e o micro-ondas. Na verdade, sobre o conflito de gerações: a sopa que, por tanto tempo, saiu do forno mais quente nas bordas que no meio, agora, no micro-ondas, esquenta em sentido inverso, de dentro pra fora.

Ainda não escrevi o texto, mas hoje à tarde, ao escolher a cafeteira clássica, aquela do fogão, em detrimento do micro-ondas pra esquentar água pro café, lembrei do que ele me havia dito. Sorri e pensei prontamente em escrever, mas desisti, ao menos por enquanto, pois parece que a sugestão dele faz da crônica tão minha quanto sua. E ele, neste momento, infelizmente ele não poderia ler a crônica nossa.

Amanhã ou depois vai ser diferente: hoje ele já respira sem máquinas, depois vai deixar o coma induzido, sem mais sedativos ou qualquer coisa que não lhe permita acordar, mas daí vai levar um tempo até ir pro quarto, começar a ler e, enfim, voltar a sorrir – espero que não necessariamente nessa ordem. E isso espero por desejar que não leve muito tempo até nós podermos enxergar novamente seu sorriso, pois pensando de maneira bem egoísta: a vida de nenhum de nós não é a mesma sem um sorriso daqueles aparecendo de repente!

Mas isso consola, essa história de amanhã ser sempre diferente. Ontem o foi de hoje, por que amanhã também não será? Afinal, foi ele mesmo, o meu grande amigo, quem me disse: antes, a sopa quente nas bordas; hoje, fumaçando pelo centro. A vida é assim, feita de ontem e hoje e, bem desejamos, amanhã. Não que eu queira viver de passado ou futuro, de memória ou expectativa. Não que eu negue a maior verdade conhecida – de que a vida é monopólio do presente. Ainda assim, porém, quando a vida vacila sobre uma cama de hospital, a gente termina por poder pouco, quase nada além de esperar.

É quando o tempo parece mesmo haver parado, assim como o mundo deixado de girar. Por alguns instantes, alguns dias... O tempo exato eu não sei, mas tenho crescentes esperanças de que, dentro em breve, a autoridade de um jaleco branco lhe conceda alta e a vida, desde antes, já o tenha feito voltar a sorrir. Nesse dia, sim, no dia em que eu lhe enxergar novamente o sorriso, garanto que a vida volta aos seus mais pateticamente belos momentos do singelo, complexo e eterno presente. Ele, meu amigo, meu irmão, sabe bem disso e deseja a vida como ninguém!

Até lá, estamos no aguardo, esperamos, rogamos, torcemos. Força, Sal!

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