quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Especialista

O velho mogno escuro jamais havia ressoado daquela forma. Não somente os passos firmes dos sapatos faziam tremer a madeira do chão, mas a tensão no ambiente. Assim como o chão, as paredes, as cortinas, portas e janelas, tudo e todos os presentes na ante-sala pareciam compartilhar da mesma apreensão, o que transformava o ambiente repleto de ar num quase vácuo em que o mais difícil era respirar.

Naquela ante-sala, só os homens estavam, à exceção da ama. Permitiu o Senhor da casa que ela permanecesse recostada numa cadeira no canto, próxima à parede, em razão de haver sido a primeira a presenciar o ocorrido: quando entrou no quarto da patroa cantarolando como sempre, mal sabia o que lhe esperava, e qual não foi seu horror quando viu sua senhora estirada na cama manchada de sangue.

Talvez, mais apropriado falar em “ordem” que em “permissão” do Senhor. Afinal, quando acudiram todos aos gritos da mucama, o dono da casa grande mandou sair a negra dos aposentos de sua senhora e, na sua frieza habitual que já nem mais chocava os parentes e empregados, ordenou que o especialista fosse trazido imediatamente. “Pouco me importam as horas que sejam, se é noite escura ou qualquer coisa, tragam-no já, agora! Só ele pode tomar as devidas providências”.

Apesar da hora avançada, ele apareceu impecável na casa , o especialista. O paletó era marrom escuro, mas foi logo tirado na antes-sala, assim que ele falou com o Senhor. “Pode deixar, nada me há de passar despercebido. Nada terá sido em vão”. Com um aperto de mão selaram o acordo e os passos do especialista ressoaram ainda, até que a porta do quarto da senhora fechada atrás dele fê-los emudecerem, bem como todos os homens presentes na ante-sala já estavam.

O tempo parecia não passar. O tio enrolava os bigodes, o primo tentava encontrar algum cabelo na careca que pudesse também ele enrolar. O Senhor já não suportava mais a enrolação lá dentro do quarto, queria saber logo e tudo, queria saber de sua Senhora!, mas o que quer que acontecesse lá dentro, a porta pesada o impedia de ouvir.

Gritos, urros, choro: os únicos sons capazes de ultrapassar as paredes e a porta de madeira maciça somente deram as caras ao final, logo antes de que o especialista suado e com as mãos sujas de sangue aparecesse através da porta dizendo, enfim: “nasceu, meu Senhor. Pode se acalmar, pois seu filho, enfim, nasceu”.