De nada adianta forçar: o perdão é como o amor, simplesmente acontece. Por isso, quem me magoou eu não perdôo, ou perdôo, tanto faz: desde que eu não lhe falte com respeito, ninguém tem nada com isso.
“Mas você deve perdoar, querido. Afinal, sem perdoar, ninguém se liberta”. Deixa eu ver se entendi: sem perdoar eu não alcanço a liberdade; logo, se eu não pretendo perdoar, preciso ser coagido à liberdade?! Quem nos diz ser “devido” amar, perdoar ou fazer qualquer dessas coisas cuja escolha não nos é facultada (não sei o seu, mas meu coração é bastante intransigente, o suficiente pra não pedir minha opinião: quando percebo, já estou perdidamente apaixonado), não faz muito diferente de uma superpotência mundial forçando uma população a tornar-se livre. Perguntemos aos ocupantes da casa branca: como se institui pelas armas um regime democrático? Eu mesmo respondo: da mesma maneira que um moralista querendo instituir, pela razão, o perdão no meu peito.
Perdoem-me os cristãos, mas eu não tenho que perdoar. “não tenho que”, do verbo “não ser obrigado a”. Ao contrário do que muitos preferem pensar, perdoar não é uma escolha – sobretudo não é simples! A gente até diz “eu te perdôo”. Mas tanto quanto uma mulher ciumenta esperneia a grande mentira de que jamais quer ver seu homem novamente (“aquele cafajeste! Nem pintado de ouro!”), nem sempre perdoamos quando afirmamos perdoar.
O perdão pode não ser um afeto, mas é dos afetos pelo menos uma consequência. Se é fato que a gente não “sente” ou “deixa de sentir” o perdão, também é verdade que ninguém perdoa com rancor, mágoa ou ressentimento. Claro que podemos fingir, jurar de pés juntos um perdão floreado, mas daí até perdoar de verdade existe uma estrada torta de diferenças. “Como” a gente chega a perdoar eu não sei; mas “quando”, é bem na hora em que esquecemos de ter raiva, quando a gente se dá conta, de repente, de que não mais nos importamos com o que tenha acontecido: mesmo sem poder lembrar em qual dia ou instante, descobrimos que, sim, como o mais natural dos eventos banais – e não mais que de repente! –, operou-se o tal milagre da transformação do rancor em desinteresse, talvez até mesmo em perdão.