quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Perdão




De nada adianta forçar: o perdão é como o amor, simplesmente acontece. Por isso, quem me magoou eu não perdôo, ou perdôo, tanto faz: desde que eu não lhe falte com respeito, ninguém tem nada com isso.

“Mas você deve perdoar, querido. Afinal, sem perdoar, ninguém se liberta”. Deixa eu ver se entendi: sem perdoar eu não alcanço a liberdade; logo, se eu não pretendo perdoar, preciso ser coagido à liberdade?! Quem nos diz ser “devido” amar, perdoar ou fazer qualquer dessas coisas cuja escolha não nos é facultada (não sei o seu, mas meu coração é bastante intransigente, o suficiente pra não pedir minha opinião: quando percebo, já estou perdidamente apaixonado), não faz muito diferente de uma superpotência mundial forçando uma população a tornar-se livre. Perguntemos aos ocupantes da casa branca: como se institui pelas armas um regime democrático? Eu mesmo respondo: da mesma maneira que um moralista querendo instituir, pela razão, o perdão no meu peito.

Perdoem-me os cristãos, mas eu não tenho que perdoar. “não tenho que”, do verbo “não ser obrigado a”. Ao contrário do que muitos preferem pensar, perdoar não é uma escolha – sobretudo não é simples! A gente até diz “eu te perdôo”. Mas tanto quanto uma mulher ciumenta esperneia a grande mentira de que jamais quer ver seu homem novamente (“aquele cafajeste! Nem pintado de ouro!”), nem sempre perdoamos quando afirmamos perdoar.

O perdão pode não ser um afeto, mas é dos afetos pelo menos uma consequência. Se é fato que a gente não “sente” ou “deixa de sentir” o perdão, também é verdade que ninguém perdoa com rancor, mágoa ou ressentimento. Claro que podemos fingir, jurar de pés juntos um perdão floreado, mas daí até perdoar de verdade existe uma estrada torta de diferenças. “Como” a gente chega a perdoar eu não sei; mas “quando”, é bem na hora em que esquecemos de ter raiva, quando a gente se dá conta, de repente, de que não mais nos importamos com o que tenha acontecido: mesmo sem poder lembrar em qual dia ou instante, descobrimos que, sim, como o mais natural dos eventos banais – e não mais que de repente! –, operou-se o tal milagre da transformação do rancor em desinteresse, talvez até mesmo em perdão.

domingo, 8 de agosto de 2010

É tempo!




O tempo é uma invenção de quem tem preguiça de viver. E a gente fala dele como se tivesse alguma autoridade. Por sinal, usamos o próprio tempo como argumento de autoridade:

“Quantos anos você tem mesmo? Ah, só? Relaxe, você ainda tem muito pra viver...”.

Tenho? Engraçado que, se por um acaso do destino (livrai-nos do mal, amém!), amanhã eu morrer, discursarão à cabeceira do meu caixão: “foi tão maduro, um homem íntegro, completo”. Do dia pra noite, amadurecido, quase santo. Quer dizer que é a morte quem nos faz amadurecer? Se for assim, quero ser criança eternamente!

Até parece que a vida é mesmo contada em tempo. Dentre os minutos, os únicos que realmente importam são os que precedem o fim do expediente de trabalho. Daí nossa ansiedade parece tão grande que deixa os ponteiros mais pesados, demorando tanto, quase que não giram mais. Fora esses minutos, porém, o que vale de verdade são os momentos bons. Bons não, únicos! Não precisam ser grandiosos no sentido clássico do termo, mas têm que ser dos maiores pra quem os vive. São os momentos eternos, tão incríveis que sempre existiram e pra sempre o farão, sem poderem ser compactados em molduras temporais: um beijo inesquecível, a primeira vez em que os dois se entreolharam, um casal desnudamente apaixonado abraçado frente a um espelho do motel pra que foram fugindo do mundo que os ficava azucrinando, uma caixinha encontrada no rodapé do seu banheiro guardando lembranças de uma criança que ali morou 40 anos antes (quem não entendeu o último exemplo assista a “O Fabuloso Destino de Amélie Poulin”). Momentos que não têm fim, por não terem início, porque nossa vida praticamente foi criada em função deles, porque precisávamos vivê-los. Não serão esquecidos, nem lembrados, apenas vividos na eternidade em que os homens e mulheres amam e, em razão disso, não precisam se limitar à ficção do tal “tempo”.

A última vez em que terminei um relacionamento, eu bêbado, conversando com um ser barrigudo, tão embriagado quanto e bastante mais velho, ele me disse: “olha a tua idade, você viveu tão pouco. Isso nem foi amor. Ainda tas longe de encontrar um amor de verdade, meu caro, bem longe”. Praquela barriga gorda, eu respondi: “se o amor presente não for o maior, o último, nem amor é”. Apesar de achar que eu devesse ter dito: “pior que eu é você, com toda essa idade, ainda não ter conhecido o amor”. Sim, porque alguém que fale o que saiu da boca dele, sabe tudo, menos o que é amar. Desde quando o destino nos apresenta o afeto a partir do tempo?! Ao nos criar, então, ele fala assim: “você é padrão, só com os 35; você, vai um pouquinho antes, 33, a idade de cristo; ah, você é um sortudo, com 22 já vai amar, ao contrário daquele pobre coitado... iiih, esse é só lá pros 49, mas não tem do que reclamar, pior é quem nunca vai encontrar o amor”.

Não posso falar com propriedade se a vida é uma intercessão de lágrimas num fundo de alegrias ou vice-versa. Não tenho certeza, mas acho que a zebra é branca com listras pretas, né? Pois bem, e quanto à vida: é feliz intercalada por momentos tristes, ou é toda de tristeza com algumas manchas de felicidade aparecendo pelo caminho?! Eu não tenho a resposta. E cada um acredita no que quiser. Mas tenho uma certeza: qualquer das duas opções, nenhuma é condicionada pelo tempo. Há vezes em que um dia é mais eterno que todo o resto. Às vezes, vivemos muito, mas em muito pouco tempo. Um amor de uma curta viagem inesquecível por toda a vida, mesmo quando acordamos dia-a-dia ao lado de outro alguém; ou uma pessoa que no espaço de um mês nos marque a vida até o momento da nossa morte...

Só posso esperar que cada vez mais os dias nos sejam assim, generosos, hoje tão ou mais eternos que o mais eterno dos outros dias.