segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Vida

Queria que a vida fosse pra além de uma palavra. Mais que um conceito frio apenas. E mais que tão somente sonho e imaginação fértil no meio de uma aula chata. Queria que a vida cruzasse a fronteira da fantasia com a realidade, da linguagem com os fatos: devo admitir que acho muito mais gostoso beber do que simplesmente dizer “café”.

Não quero a vida emoldurada na parede numa foto bonita de cartão postal. Claro, a gente sempre pode pegar um avião e ir viver ao vivo a paisagem. Mas nem todo mundo tem condições de se aventurar até os Alpes Suíços. E desde quando isso é a tal da vida, voar por meio mundo pra chegar numas montanhas bonitinhas? Não quero uma vida bela ou feia, prefiro-a viva. Viva de tal forma que quatro letras jamais serão capazes de conceituar.

Podia até lançar aqui um manifesto pela exclusão da palavra “vida” do dicionário brasileiro. A menina, em vez de viver, sorri. O rapaz, tadinho, chora. A planta segue o sol, o cachorro corre rápido, o peixe nada, nada e não sai da água. O pássaro voa, o avião também, mas só porque tem um piloto que o comanda. A criança brinca, a mãe trabalha, o pai cozinha (família moderna, hein?) e à noite os dois fazem mais filhinhos – mas disso não convém entrar em detalhes.

Ao contrário do que se diz, as estrelas não nascem; apenas brilham bonitas no céu. Às estrelas, não tem avião que nos leve. Acho que pra elas, então, se pode abrir uma exceção: apesar de estarem mais longe que as montanhas da Suíça, estamos o mais perto delas a que se pode chegar. Pois a distância entre um par de olhos e o brilho de uma estrela se mede menos em anos-luz, mais nas emoções por ela inspiradas.

E se ninguém “vive”, a gente não precisaria mais “morrer”. Melhor seria apenas deixar de sentir, falar, correr, sorrir, comer, fazer amor etc. Com certeza o processo lingüístico e conceitual entre sair do “uga-uga” primitivo e chegar à “vida” não foi simples ou curto. E, um palpite que me veio à cabeça: talvez a gente só tenha inventado o termo “vida” quando se deu conta de que o nosso dia-a-dia agradável – ou nem tanto! – um dia acabava, terminava assim de repente. Parece até que a vida nos brotou da morte. Pois aqui eu digo sem medo: não é, então, essa a “vida” que eu quero.

Uma vida menos morte, menos conceito e mais acontecimento. Uma vida de tato e sensações, de experimentação inominada de tudo aquilo que se possa ver, ouvir, provar, vida que tanto faça se cheiro de flor ou de esgoto, desde que, mais que palavra e descrição, seja cheiro de verdade.

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